sábado, 10 de fevereiro de 2024

Carta para Cologna - Nº 1

 


Hey, você... sou eu aqui, no caótico Rio de Janeiro. Sábado de carnaval, de folga. Deveria estar repondo meu sono acumulado, mas acordei com sede e ao tatear um copo d'água na cabeceira, acabei derrubando-o no chão. Tive que levantar, secar tudo. E os pensamentos vieram me invadir.

Pensamentos efêmeros e sem sentido, oriundas de um afeto que não tem explicação. Ou deveriam ser explicados os afetos? A verdade é que não sei. Dei murro na ponta de faca, até que a ela perdesse o corte. Consegui a verdade, mas a um preço altíssimo. Por mais que eu não tenha certeza do que é real, vindo de você.

Seria uma outra configuração de conversa, eu sabendo das suas escolhas. Não é nada ilegal ou condenável. Particularmente, vai na contramão de todos os meus valores, mas é a sua vida. Me senti um pouco mais tranquilo, por um lado, por saber que eu realmente não teria como oferecer o que você " buscava ", nem mesmo se me esforçasse. Porém, por outro lado, minha frustração mudou e aumentou, por não ter percebido antes e te alertado ou mudado este arco da história. É possível mudar caminhos? Uma espécie de Efeito Borboleta?  A ficção sempre mostrou que isso dá problemas seríssimos. Eu sempre me considerei uma pessoa que não habita o tempo e o espaço corretos. Gostaria de poder transitar.

Você sabia que uma voz dentro de mim chegou a me culpar quando eu soube da história do bullying que você sofreu na escola? Fiquei extremamente incomodado e comecei a investigar dentro de mim, a raiz da angústia. Me dei conta de que eu achava que era minha responsabilidade estar perto naquele momento e te proteger daquilo. Mas eu nem te conhecia ! Pouco importa. Não é nada racional. Deixei pra lá e sorri. Mas bem que eu poderia ter feito algo. Você não precisava ter passado por isso. Será que hoje você não estaria num relacionamento sem afeto, se esse trauma sumisse? Não dá pra brincar de Deus. São hipóteses, totalmente sem fundamento.

Estou ouvindo uma playlist que fiz, com músicas da Lana Del Rey, começando com " Young and Beautiful ". Essa faixa é realmente uma obra prima e me pega muito. Ela se encaixa muito bem na obra de Oscar Wilde e da sua obra suprema " O retrato de Dorian Gray ". Me peguei pensando em como isso te afeta. Penso em um dia obter um resquício da verdade sobre o que você pensa sobre. Me parei olhando pra última foto que você me mandou. É uma expressão totalmente diferente. O desgaste da trajetória muda nosso olhar e nossa expressão. Você estava certo, quando disse que não era mais aquele garoto que eu conheci. Sim, talvez não seja, mas não me importo. Eu também não habito mais o corpo de 2017.

Sobre esta questão da juventude, que passa voando, eu sempre penso em você. Esta situação em que se encontra, você deve estar ciente de que é algo provisório. Caras que bancam garotos, sempre vão procurar garotos mais novos, com o passar do tempo. Talvez haja exceções, se ele sentir algo por você. Mas eu não sei detalhes da história, pois rompemos pela enésima vez e nos afastamos. Você sabe que ainda dá tempo de voltar atrás e recuperar parte da sua história, vivendo numa relação com amor, não sabe? Não quero que você olhe pra trás, pra sua história e se arrependa. Pelo menos pra mim, uma vida sem amor não merece ser vivida. É preciso sentir aquela sensação de amar e ser amado.

Quando você reapareceu, tempos atrás, eu imaginava motivos melhores, que me beneficiassem. O orgulho é uma coisa tão idiota, que me faz rir. Eu sempre esperei que você fosse assumir que eu era a pessoa que mais te amou e que talvez tenha sido o maior sentimento que você sentiu. Mas suas intenções sempre foram muito enigmáticas e ambíguas, como sempre foram comigo. Esse jogo psicológico, como você mesmo diz, é algo que excita, mas faz purgar. Ouvir que um cara que nunca quis te conhecer foi o mais próximo de amor que você teve, me fez lembrar o filme" Brilho eterno de uma mente sem lembranças ". É como se você tivesse me deletado da sua história e da sua memória, mesmo estando conversando comigo. E eu me sentindo silenciado e claustrofóbico, sem que você pudesse ouvir minha versão da verdade. Resumindo, a história de que você me procurou porque uma taróloga te recomendou fazer as pazes com seu passado, nunca colou pra mim. Até porque não se encaixa com outra camada sua, que insiste em diminuir o que tivemos. Às vezes penso que seria muito mais simples você dizer que sentia minha falta, por mais que eu não fosse acreditar. Sim, entramos neste cenário de areia movediça, em que a verdade não está mais sendo servida à mesa, como deveria.

E o idiota aqui quer apenas desabafar e tirar esses pensamentos da cabeça. Não há objetivos e nem nada a ser conquistado. Estou casado, num relacionamento bom e duradouro. E você está em outro continente, na vida que supostamente você sempre quis, com uma pessoa que não sei se existe. Sim, eu sou grato todos os dias no meu relacionamento e converso sempre sobre essa questão que tenho com você. São histórias diferentes e camadas minhas totalmente fora do alcance dele. O diálogo existe e não há segredos. Não sinto vergonha deste caos, muito pelo contrário. Me sinto humano, vil e mortal. As coisas não saíram como eu gostaria, com relação a você. Mas gostaria que soubesse que podemos conversar ainda, sem ressentimentos, pelo menos da minha parte. Eu não sei se as pessoas que se afastaram de você, o fizeram por saber da sua opção de trajetória. Eu não sou essa pessoa, por mais que talvez eu seja uma das mais atingidas, psicologicamente, pela sua desistência. 

É como um espelho rachado, sabe? Eu gostaria de imaginar você num relacionamento mais feliz do que poderíamos ter tido. E fico olhando pra aquela foto sua, na luz, com as sombras da grade das janelas. E olho nos seus olhos, divagando, tentando tirar respostas, como se fosse um oráculo. Não vem nada e me pergunto " o que aconteceu ? ". É... realmente não sei o que aconteceu. Também não sei se vai ler esta carta. Não sei de nada. Não sei se você um dia vai me mandar uma mensagem com bons ou maus afetos. O silêncio sempre foi sua resposta pra qualquer situação que fuja do seu controle, pelo que me disse. Bom, gostaria que pelo menos entre nós, não fosse necessário.

Ainda estou aqui, não sei por quanto tempo. Vou deixar esta carta no seu canal do Youtube, que é a última porta aberta que você me deixou. Não sei se consciente ou inconscientemente ela foi deixada. Não sei se lê os comentários. É um tiro no escuro, mas precisei disparar. Como diria Simone de Beauvoir, " o tempo é irrealizável ".

Existem muitas coisas que devo ter deixado de dizer, acumuladas, mas quem sabe numa próxima carta...


" Não mais me deitar no feno perfumado ou deslizar na neve deserta.
Onde eu exatamente me encontro?
O que me surpreende é a impressão de não ter envelhecido, embora eu esteja instalada na velhice.
O tempo é irrealizável.
Provisoriamente o tempo parou para mim.
Provisoriamente.
Mas eu não ignoro as ameaças que o futuro encerra, como também não ignoro que é o meu passado que define a minha abertura para o futuro.
O meu passado é a referência que me projeta e que eu devo ultrapassar. 
Portanto, ao meu passado, eu devo o meu saber e a minha ignorância, as minha necessidades, as minhas relações, a minha cultura e o meu corpo.
Hoje, que espaço o meu passado deixa para a minha liberdade hoje? Não sou escrava dele.
O que eu sempre quis foi comunicar unicamente da maneira mais direta o sabor da minha vida. Unicamente o sabor da minha vida.
Acredito que eu consegui fazê-lo. 
Não desejei e nem desejo nada mais do que viver sem tempos mortos. "


Simone de Beauvoir


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