segunda-feira, 14 de março de 2022 0 comentários

Caixa de Pandora

 


Quando me dei conta de que não precisava, necessariamente, escolher entre ficar com homens ou mulheres, achei o máximo. Aquela velha e batida ilusão de fartura, de que teria muitas e muitas opções de relacionamento. A realidade é outra. O caos psicológico supera a sensação utópica de "orgias imaginárias" com homens e mulheres.

Minha última namorada foi um episódio à parte. Quem lia meus blogs antigos e tem boa memória, pode ser que lembre. Ela também tinha blog, aliás. Há dez anos atrás, eu tentei um relacionamento à distância, com uma garota de 21 anos, do interior de SP, chamada Hellen.

Um acontecimento, que poderia ter sido banal pra muitos, acabou não sendo pra mim. Nunca me achei padrão de beleza e sempre vivi meio que deslocado nesse sentido. Meio que acreditava que não conseguiria conquistar certas pessoas e nem me dava ao trabalho de tentar.

Confesso que me apaixonei à primeira vista por ela. Quando vi fotos dela no blog, fui atrás das redes sociais. Era tudo o que meu imaginário nunca havia ousado desenhar. E veio aquela voz sabotadora/ ultra realista, falando baixinho na minha mente : 

- Esquece. Não é pra você. Perda de tempo. Além do mais, mora em outro estado e você é pobre.

Ainda assim, eu optei por alimentar essa paixão platônica e fui me aproximando. Nos tornamos amigos e ela sabia muito sobre mim, pois meu blog era quase um diário. Conversávamos diariamente pelo MSN. Acabamos encontrando um no outro, alguém pra desabafar certas coisas.

Até que num certo momento, nós estávamos solteiros ( algo raro ). E pensamos :

- Por que não ?

As conversas ficaram mais apimentadas e a convidei pra vir ao Rio. Passamos um dia mágico juntos e levei ela até a família dos pais, que ela não conhecia, numa cidade vizinha aqui.

Acabamos discutindo depois. Não entendemos o tempo um do outro e houve um desencontro. Um relacionamento a distância, quando vem pra perto, meio que há um choque de realidade. Não tivemos maturidade pra lidar com isso.

Além do mais, o que eu poderia oferecer? Não poderia pedir pra que ela largasse a mãe e viesse pro Rio. Ambos estávamos enraizados em nossas cidades. Aquela impossibilidade foi, talvez, o maior balde de água fria que eu já tive na vida. Me vi obrigado a amadurecer, aos 27 anos. Não queria mais sentir aquele caos, de não saber lidar com aquela negativa da vida.

Dez anos se passaram e ainda mantivemos contato. Ela ainda mexe com meu imaginário. Não é nenhum segredo e eu até divido os devaneios com meu namorado atual. É um lado meu que imagina como poderia ter sido. Não querendo mudar, não querendo voltar no tempo, não estando ( jamais ) insatisfeito com o hoje. Mas apenas me permitindo imaginar como seria essa vida.

Pessoas diferentes nos levam a destinos diferentes. Isso parece óbvio. Mas ter uma rotina hetero normativa é algo bem desafiador.

Das três garotas que namorei, ela é a que mais se parece comigo. Talvez por isso, às vezes rola um stress. Gostaria de vê-la novamente.

Em dez anos, muita coisa muda. Quando a vi pela primeira vez, na rodoviária, ela iluminou tudo. Pensei que fosse desistir quando me visse. Ela não estava nem aí pra isso. Na verdade, queria ter alguém por perto, assim como eu, assim como a maioria de nós.

E aquele Eu, que poderia ter sido, meio que foi enterrado no dia de finados de 2012.

Enterro prematuro, por sinal.






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O universo chamado mãe - Parte 1

 


Há muito tempo não escrevo aqui. Sinto falta, às vezes.


Amanhã, dia 15, fará 4 meses que minha mãe partiu, aos 59 anos. Depois de uma certa idade, acabamos achando que estamos preparados pra este tipo de perda. Ledo engano.

Particularmente, eu nunca fui uma pessoa muito ligada à família, como um todo. Nunca me senti aceito, respeitado ou amado, como eu achei que deveria. Em troca, sempre agi com frieza e desdém. Acabei me esforçando pra me virar sozinho, desde sempre.

Minha mãe sempre cuidou de tudo. Nunca me faltou nada pra comer, nenhum brinquedo que eu quisesse na infância. Estudei em escolas privadas e públicas: nada com muita pompa, mas o suficiente pra sobreviver no futuro. 

Não tive irmãos. Sempre gostei disso, mas a conta chega nesse momento. Ter que lidar com isso sem ter com quem desabafar no mesmo patamar. O luto do meu pai é completamente diferente do meu. Não digo que ter um irmão, ajudaria neste caso. É apenas uma possibilidade. Aprendi vendo a família da minha mãe, que certos irmãos, às vezes mais atrapalham do que ajudam.

Fiquei um mês na casa do meu pai, tentando oferecer apoio e me apegando às memórias da minha mãe, que ainda estavam muito vivas. O cheiro, as coisas do jeito que ela deixou. Ainda tinha comida pronta na geladeira. As roupas que ela lavou ainda estavam limpas. Tudo estava esperando ela voltar do hospital, com vida. Mas não aconteceu.

Minha mãe foi a terceira, de oito filhos que minha avó gerou. Teve uma infância muito pobre. Me contou algumas vezes que tinha que catar do lixo alguma coisa pra comer ou vestir. Ninguém da família tinha estudo. Viviam da pesca e de outros serviços manuais. De uns tempos pra cá, eu quis compensar essa escassez que minha mãe teve no início da vida, com um pouco de conforto.

Os preconceitos vieram, muito em parte, dos meus avós maternos. Machismo, racismo, homofobia, tudo isso gerava relacionamentos tóxicos. Irmãos que se odiavam, na maioria das vezes. Filhos que não falavam com os pais. E tudo isso acabou respingando em mim. Demorei pra entender o efeito dominó. 

Minha avó materna faleceu em 2017. Coincidentemente, de lá pra cá, eu consegui me aproximar mais da minha mãe. Tive uma avó que envenenava minha mãe com os piores preconceitos possíveis, advindos da ignorância, da religião e do patriarcado. Foi um dos motivos de eu ter deixado de morar com meus pais : não ter mais que conviver com as visitas dela. Ainda assim, era uma base emocional pra minha mãe. Ela ficou muito enfraquecida com a partida da mãe e eu tentava estar perto, mas não conseguia ter muita empatia, pois fui muito prejudicado pela visão de mundo retrógrada da falecida.

O ano de 2017 marcou alguns pontos também. Era meu primeiro ano morando sozinho, de verdade. Me mudei pra morar com Guilherme e essa união, morando debaixo do mesmo teto, ruiu no primeiro ano ( 2016 ), após três anos de relacionamento. Lá estava eu tendo que me virar. Minha mãe, com a visão machista, sempre fez questão de deixar claro o que é " tarefa de mulher " e " tarefa de homem ". Desde pequeno, nunca precisei lavar louça, roupa, banheiro, etc. Inclusive acostumou meu pai assim. Com o tempo, eu vi que era algo particular dela e que eu precisaria me virar sozinho um dia. Aprender a fazer as coisas, me traria mais independência e eu não seria mais obrigado a ouvir ou aturar certas coisas. Foi aí que ela meio que sentiu no ar que o Guilherme não estava mais comigo. Se ofereceu pra voltar a lavar e passar minhas roupas. Aceitei.

Eu poderia ter dito não, mas ainda queria uma certa dependência em relação a minha mãe. Ela sempre foi adepta a jogos de poderes ( e herdei isso dela ) e essa troca de favores poderia nos aproximar. Sim, eu iria querer compensar o esforço e gasto dela comigo. E foi o que fiz.


Continuo no próximo post...






 
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