quarta-feira, 22 de maio de 2024 0 comentários

Bebê Rena, ego e identidade

 


Olá !

Fiz algo que não costumo fazer : Assisti uma série que está na moda/ no hype.

O que me chamou atenção e me levou a assistir? Ver, em forma de série, um relato de fato real de alguém sendo estalkeado no mundo moderno. A série faz com que nós refletíssemos sobre como somos vulneráveis, como somos fáceis de localizar e como as políticas de segurança são frouxas quanto à prevenção de crimes. Ah, muito importante também: Como a sociedade lida com o assédio sofrido por um homem. Muitos acham que é mimimi, ou que o homem deveria se orgulhar por estar sendo assediado. O fato de a grande maioria dos assediadores serem homens, faz com que quando alguém do sexo masculino ( principalmente homem cis ) é a vítima, sejam ridicularizados e desacreditados.

Não sei vocês, mas a série trouxe uma espécie de empatia em alguns sentimentos dos personagens. Eu ja fui uma pessoa muito insistente, que me orgulhava às vezes de " vencer pelo cansaço ". Claro que, no meu caso, não representava nem 1% da intensidade da Martha. Mas a questão da conquista, de receber afeto, ser sempre uma questão de sobrevivência. Muitas vezes queremos tanto, que não vemos a outra pessoa, como sendo alguém que também precisa de afeto, mas na sua necessidade e singularidade. Não dá pra oferecer maçãs pra quem só gosta de jabuticaba.

Tenho algumas experiências com pessoas que eu tratava apenas como conquistas, números na minha estatística pessoal, há muitos anos atrás. Queria apenas o prazer de saber que era capaz de conquistar quem eu quisesse. Esse sentimento já me deixou em vários apuros e, obviamente, por não ser sustentável, já me trouxe inúmeras frustrações. Mas, assim como o protagonista da série, era uma estratégia pra preencher uma baixa auto estima e o vazio em si da existência. Aquela questão de querer estar sempre ocupado, seja emocionalmente, seja na rotina mesmo. O medo do tédio, que a sociedade ocidental planta em nós. Nunca me esqueço de ter lido um aforismo de Schopenhauer, no qual ele dizia que " o tédio é um sinal de que tudo está no seu devido lugar ". Aquilo me deu uma paz tão grande, que passei a agradecer quando me sentia entediado. Passou a ser uma sensação confortável.

Por quase uma década, emendei relacionamentos, um após o outro, pra não ter que lidar comigo mesmo. Pra não parecer " encalhado " ou " não desejável ". A ficha caiu em 2016, quando senti a paz de estar realmente sozinho, ao ter saído da casa dos meus pais e estar solteiro, depois de muito tempo. O silêncio da casa, a liberdade de poder não ter compromissos, fazer algo que não se quer pra agradar alguém, era algo revolucionário pra mim, até então. Passei a selecionar mais e ser um pouco mais criterioso sobre o tipo de pessoa que eu deixaria me tirar deste estado de solitude e silêncio.

Para ilustrar e encerrar este assunto, deixo uma história onde me vi sendo vítima de um stalker :

Acho que por volta de 2013, conheci um garoto no bate papo Uol, que morava no mesmo bairro que eu. Era estudante de humanas, bem animado e elétrico. Com uma grande particularidade : Era aquele que gostava de tomar iniciativas e estar no controle das situações, principalmente sexuais. Pela primeira vez, senti uma aversão imensa. Nunca tinha conhecido alguém assim. Nos encontramos uma única vez e não tínhamos muita condição financeira pra motel. Acabamos trocando uns beijos numa praça, olhando bastante à nossa volta. Ele me confessou que sabia de uma rua ali perto onde dava pra fazer algumas coisas a mais, sem ser visto. Foi uma sensação que se assemelhava a um gatilho. Eu não sentia que era uma pessoa pra ser " conduzida " ou nem mesmo de satisfazer uma simples vontade do outro, como sendo um fetiche e objeto sexual. Nunca me excitou sequer pensar na possibilidade. Desabafei com um amigo sobre isso e fiquei surpreso pelo meu amigo ter confessado que já tinha ficado com esse garoto e que ele era um " stalker ". Foi a cereja do bolo pra eu demonizar completamente o garoto e sumir da vida dele. Ao me afastar, sentia que " seria óbvio que não tinha interesse nele " e a vida seguiria seu fluxo. Mas certas pessoas precisam que a comunicação seja um pouco mais clara e objetiva. Me dei conta de que meu amigo passou a incluí-lo no círculo de amizades dele.

 Em 2014 ou 2015, eu já estava num relacionamento longo novamente e fui visitar esse meu amigo. Era aniversário dele. Recebo a informação de que o " stalker " estava lá. Antes disso, ele já havia insistido bastante em ficar comigo e eu ignorei. Avisei meu amigo que " qualquer gracinha " que ele tentasse no almoço, pra me constranger na frente do meu namorado, seria fortemente retaliada. Ele não deu um pio durante o evento. Passado esse dia de calça justa, ele já sabia que Rodrigo e eu ( dois caras que saíram com ele ) éramos amigos. Achei, ingenuamente, de que seria o suficiente pra ele não assediar ambos. Ledo engano. 

Comecei a usar os apps de relacionamento apenas em 2017. E adivinhem : Lá estava ele. Por morarmos próximos, era uma das primeiras pessoas a aparecer, como " opção ". E naquele momento, praticamente 8 anos depois do ocorrido na pracinha, ele demonstra interesse, como se fosse a primeira vez. Como se eu estivesse " disponível " pra ele. Foi uma imensa catarse, pra mim, ter uma conversa franca com ele, mesmo por mensagens no app. Expliquei que meu interesse era zero e que eu gostaria que ele não me procurasse mais. Deixei claro que se tornou uma situação angustiante e constrangedora pra mim, e talvez até pra ele mesmo. Ele nunca mais tentou. Seria uma situação, em condições normais, de ter uma amizade. Porém, por ser uma pessoa que tem poucas noções sobre limite, seria arrumar sarna pra se coçar. Passar esse feedback a ele, foi como passar um a mim mesmo, pois em várias situações, eu me vi nele. Por ter experienciado a sensação de ser " um alvo ", passei a observar muito mais meus comportamentos. Não queria ser incoerente e me comportar como a pessoa que eu não queria por perto.

Concluindo, passei a achar mais que correto dar sempre um feedback, mesmo que negativo, sobre o afeto de uma pessoa, direcionado a mim. Me tornei uma pessoa extremamente crítica à prática de ghosting. Na verdade, acho moralmente degradante, manter a nossa volta pessoas que não temos interesse, como uma forma de sentir algum tipo de poder. Nunca quis manter por perto nenhuma pessoa na qual não faz sentido uma conexão.




 
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