quinta-feira, 17 de julho de 2025 0 comentários

Fênix

 


" Eu!

Prisioneiro meu

Descobri no brêu

Uma constelação


Céus!

Conheci os céus

Pelos olhos seus

Véu de contemplação "

( Jorge Vercillo : Fênix )


02/11/2012, dia de finados:  Ela chegou. 

Após anos inflando meu orgulho, com conquistas e sensações de vitória, ela chegou.

Quem só vence, sem experimentar uma verdadeira perda, nunca saberá a verdadeira sensação de uma vitória. Mas pra vencer e pra perder, é necessário se arriscar, estar vulnerável. Estar exposto ao cansaço. E fui me cansando, não vendo mais sentido em me manter com aquela mentalidade.

E ela chegou.

" Vou!

Entre a redenção

E o esplendor

De por você viver


Sim!

Quis sair de mim

Esquecer quem sou

E respirar por ti

E assim transpor as leis

Mesquinhas dos mortais


Agoniza virgem fênix

O amor!

Entre cinzas arco-íris

Esplendor!

Por viver às juras

De satisfazer o ego mortal "


O ego, o protagonismo, a dificuldade em abdicar de mim mesmo, por outra pessoa, de cuidar.  A quase impossibilidade de ver numa outra pessoa algo que eu não tenha ou algum tipo de superioridade. Tudo isso foi forjado pelo fogo dela e virou cinzas. Deixou de existir. Poderia existir uma visão de mundo, da minha parte, que não girasse em torno da minha pessoa. Abrir mão do controle! Era sobre isso.

Experiência extra sensorial, ao olhar, fixamente, nos seus olhos. Sim, eu vi e fui transformado. Havia algo ali. Como eu poderia descrever? As palavras nem sempre são eficientes nessas horas. Mas ela sabia que eu tinha visto. Será que alguém mais viu?

E foi ali que me despedi, de quem eu era. Deitei, me tranquei no quarto, durante dois dias. Sem luz do sol, sem falar, sem me alimentar. Apenas me deixando morrer, deixando ir uma alma que não fazia mais sentido. Tudo ficou pra trás. Parece que a partir dali, me vi outra pessoa e até os mais próximos, passaram a me tratar diferente. Antigas pendências se foram. Essa pessoa não existe mais. Não diz respeito a mim. Pesos do passado? Comecei do zero.

Meu companheiro de quase 5 anos, na época, notou, que eu tinha partido. Apareci na casa dele, pra contar o acontecido. Não brigamos mais. O ego inflamado era o responsável por todo o stress, e da minha parte, ele foi sublimado. 

Semanas depois, fiz uma viagem pra MG, sozinho e meu companheiro mandou uma mensagem, pra meu amigo, que me hospedou em sua casa :

- Cuide bem dele. É desse jeito, mas é apenas uma criança...

É o tipo de coisa que eu nunca ouvi ele falando. É o tipo de doçura que nossas quedas de braço não permitiram trazer pra nossa rotina. É o tipo de coisa que a gente ouve... depois de morrer. 

Sim, é como se ele falasse de alguém que já partiu.

E essa criança, na qual ele se referiu, sempre temeu dividir espaço com outras crianças. Sejam no sentido figurado ou literal. E daí nasceu um novo medo: de que Ela fosse mãe, um dia e eu nunca mais tivesse alguma chance. Pois ela, além de focar na maternidade, morreria pra se tornar um outro personagem, o de " mãe ".

Quase treze anos depois, esse momento chegou. Ela se tornou mãe e não é mais aquela pessoa. Assim como eu transmutei em 2012, por métodos diferentes.Talvez se eu olhasse ela nos olhos, hoje, veria outro universo. Me despedi a tempo, antes disso acontecer. Cheguei ao ponto de me imaginar sendo pai, antes de acontecer o que aconteceu. Sentia que era o momento dela, que talvez precisasse disso.

E nos tornamos estranhos, um para o outro. Nos últimos doze anos, ela sempre esperou que eu voltasse a ser aquele antes do dia de Finados e nunca consegui ser. Não tenho mais tempo, nem esperança de que ela seja novamente aquela garota.

Ficar feliz por ela, foi um exercicio e tanto, até mesmo doloroso. Foi aceitar o paradoxo entre nascimento e morte. Ela se foi e duas novas vidas chegaram. Que sejam muito felizes.


" Coisa pequenina

Centelha divina

Renasceu das cinzas

Onde foi ruína

Pássaro ferido

Hoje é paraíso


Luz da minha vida

Pedra de alquimia

Tudo o que eu queria

Renascer das cinzas "





 
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