terça-feira, 9 de maio de 2023

Punhalada


 Ser apunhalado por alguém que você espera, te possibilita desviar, de uma forma a evitar um golpe fatal 

Porém, ser golpeado por alguém que você abraça, ama, cuida e tenta confiar, é um golpe covarde. Impossível de desviar.

Mentir olhando nos olhos. É preciso ser extremamente frio pra conseguir. Olharam nos meus olhos e me pediram pra relaxar. Foi a última vez que ele olhou nos meus olhos, antes do golpe.

Justificou ter problemas com a auto estima. Nunca tive essa limitação e passei a ter a partir dali. Como explicar?

Sangrando, procurei respostas. Todo tipo de pista que justificasse as ações. Nada se encaixava. Será minha intuição que deu sinais de não funcionar como antes?

Mas eu vi. Sei o que vi. Assim que chegou, beirando a linha do trem, com olhar perdido, eu vi. E só havia uma frase ressoando na minha alma: 

- Ele é meu e nunca mais vamos nos separar...

Eu vi o que eu queria ver? Talvez!

Eu vi por outro ângulo? Não sei afirmar.

Só sei que eu vi.

E minha vida nunca mais foi a mesma...

Ouvi que estava mentindo. Que não era amor. Como era possível ser? Como pode me amar se eu mesmo não me amo? Eu tanto amei, como amo. 

A pessoa que tinha certeza do que viu, continua com a mesma certeza, cinco anos depois. E eu estava mentindo? Seria mais confortável e hoje eu estaria bem. 

Não. Não estou bem. E parece que não há remédio pra isso. 

Fui impedido de ter respostas verdadeiras por todo esse tempo. Fui silenciado, por quem não queria lidar com a verdade. 

A verdade não era boa pra mim, também. Confesso. 

Assisti, de forma voluntária e masoquista, o ser amado, que dizia não procurar sexo e ao mesmo tempo não estar pronto para as responsabilidades de um relacionamento, flertar com 1, 10, 20, 30 caras. Muitos deles eram eu. Na tentativa de me aproximar de alguma forma, ainda que doentia. De mostrar que mesmo sangrando, ainda estava vivo.

Assisti cada música que ele ouviu e me dando sinais de que a vida continuava, mesmo com meu sangue se esvaindo. Sobrevivi ao fato de ele preferir transar com um técnico de internet, tendo a possibilidade de me procurar a 500 metros. É sobre auto estima?

Cheguei ao ponto de não acreditar mais em qualquer resposta. Mesmo as que me favorecessem. Virou um looping conspiratório sem fim.

Com o tempo, o único laço que me permitia ter acesso a seus batimentos cardíacos era a música. Em um dia comum, a música parou. Mas o que houve?

Se passaram dias, semanas. Com o pouco de sangue que ainda tinha, rastejei e fui tentar ajuda. Gritei.

- Onde ele está? Está vivo?

Como era de se esperar, não obtive resposta. 

Estava eu, preocupado com a pessoa que apunhalou. Que me tirou de uma rotina de vitórias, onde eu me sentia praticamente invencível. Que me fez voltar a humanidade, na sua forma mais frágil e vulnerável. Não me reconheço nesse corpo, tingido de sangue. 

Por um momento, tive um pouco de paz. Não sei se a morte havia chegado a mim ou se a tranquilidade era pensar na possibilidade da pessoa não mais existir.

Mas que insanidade é essa? Não é ético você sentir alívio. Isso não é amor. 

O inconsciente me dizia que se ele já não existia mais, não haveria mais necessidade de me levantar e afrontá-lo. De dar-lhe uma lição. 

Ele não existindo mais, não será mais meu. Nunca mais. Mas também não será de ninguém. Será esse meu conforto tão ou mais desumano do que a punhalada? 

O sol nasceu novamente. Continuo deitado. Resta pouco sangue no meu corpo. 

Tive a certeza de que ele ainda vive. Senti sua energia. 

Parece que não há mais nada a ser feito. O resto do pó da ampulheta está chegando ao fim.

O que pode ser dito? O que pode ser feito?

Não temos como consertar o passado.

Devo torcer por ele?

Difícil me imaginar num altruísmo tão avançado.

A única certeza que tenho é a de que se eu tombar definitivamente, talvez eu não seja o herói dessa história.

Me tornei o vilão na minha própria história.


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