sábado, 1 de junho de 2024

Sobre desistir

 


São quase 9 da manhã. Já é junho. Passei a noite em claro, jogando Fifa 24, com meu namorado ao lado, jogando os jogos dele e depois assistimos The Vampire Diaries ( estou revendo e pra ele é a primeira vez ).

Estive organizando minhas estantes de livros, hoje. Limpei, reorganizei. Vi vários que nem lembrava que tinha e outros que talvez não façam sentido ter, atualmente, mas quem sabe lá na frente eu mude de opinião. Alguns, são pra doar mesmo. E senti como um ato terapêutico, de organizar idéias e utopias. Fiquei muito satisfeito com a nova arrumação. São 5 estantes e 1 baú. No baú, coloquei quase tudo que tenho de literatura, principalmente Fernando Pessoa e Clarice Lispector. Reservei uma prateleira, das 20, pra livros sobre psicologia. Das 5 estantes, 3 são pra sociologia, filosofia, antropologia e política, sendo a número 4 toda de literatura ( estante de literatura estrangeira ), contendo principalmente os russos da Editora 34 ( Dostoievski principalmente ), além dos ícones Thomas Mann, Virginia Woolf ,Umberto Eco, entre outros. Uma última estante ficou híbrida, com história, obras sobre conhecimento como um todo, biografias, livros sobre tecnologia e IA ( principalmente o lado ético e o impacto no trabalho ), gênero, raça e LGBTQIA+ . Gostei bastante. São 1100 obras, aproximadamente. É um dos poucos orgulhos de consumo que tenho na vida.

Mas o assunto da postagem não é sobre livros. Esse tema " sobre desistir ", me pegou bastante. É totalmente na contramão do " senso comum ", que diz e repete, incessantemente : " persista ", " não desista nunca ", " persevere ". E hoje me dou conta de que é fácil comprar essa idéia, quando se tem energia transbordando, principalmente na juventude. Hoje, aos 39., eu escolho muito bem as lutas que quero ter durante meu trajeto. Não acho mais razoável desperdiçar tempo e esforço no que não faz sentido.

Eu tive um relacionamento relâmpago e emblemático, no final de 2012. E com uma garota. Devo ter contado em outras postagens e vou resumir bem. Ela tinha todos os pontos que meu imaginário considerava atraente. Naquela época, ela tinha 21 anos e eu, 28. Ela transbordava sensualidade, era impressionante. E essa questão da beleza estética, dos padrões de perfeição, sempre me aprisionavam. Era meu calcanhar de Aquiles. Facilmente, eu ficava enfeitiçado. Tive essa sensação com 3 pessoas. Mas enfim: Tivemos um relacionamento à distância, que era uma amizade e depois foi evoluindo, até que ela saiu de SP pro Rio, pra me encontrar. Naquela época, eu já começava a sentir os efeitos de não me sentir mais " tão jovem ". Tinha operado o tornozelo, no início do ano e ganhei peso. A sensação era de que quando ela me visse, ia dar meia volta e não ter mais interesse. Rolou uma síndrome do impostor. Fui na rodoviária buscá-la, tenso, com medo do que podia acontecer. Nunca me esqueço desse dia : 02/11/2012. Nós nos desencontramos e ficamos trocando SMS pra nos acharmos. Chegou um momento em que a vi, de longe, eu estando numa parte mais alta e ela numa parte abaixo das escadas. Observei e sentia como se as pernas tremessem. Imaginei que estaria encrencado. Ela era realmente muito mais do que eu imaginava. O que eu faria? Fiquei paralisado por uns 2 minutos. Quando me dei conta, ela tinha me visto e agiu como se estivéssemos juntos há anos. Saímos de lá de mãos dadas. Me sentia entorpecido. Era como provar uma droga muito forte. Não tem como explicar, é como se um grande farol tivesse sido aceso na minha escuridão. O que era aquela pessoa e como seria minha vida a partir dali ?

O relacionamento, se é que se pode chamar de um, foi um grande fracasso. Tivemos enormes ruídos de comunicação e desencontros. Aquele feeling de " pescar o não dito " ? Então... não rolava. Cada um esperava algo do outro, que nunca acontecia. Ela voltou pra SP e fiquei muito mal. Ela era do tipo que não colocava pra fora o que pensava. Eu sempre precisei de respostas, para meus quebra cabeças. E ela dava sinais muito confusos, isso quando dava algum sinal. 

Sou uma pessoa com histórico de relacionamentos longos. Gosto de investir em confiança e intimidade. Mas tive muitos relacionamentos curtos, que naufragaram no " período de experiência ", que pra mim são 3 meses. Que é o que o personagem do Clive Owen em " Closer " dizia ser a " fase em que todos os defeitos do outro são um charme e não incomodam ". Depois dessa fase, é a la Nelson Rodrigues , " A vida como ela é ". Com ela, não teve essa fase.

E foram 4 anos de amizade, até esse rompante de encontro/ desencontro. Depois disso, era só deixar pra lá, certo? Óbvio que não. A pessoa aqui sempre gosta de participar da vida de pessoas que acha importante, mesmo que estas não lhe façam bem.

Mantivemos contato, mesmo depois de ela ter ido embora do Rio sem se despedir de mim. Deixei meu orgulho de lado.Achava que poderia ser a imaturidade da idade dela mesmo. E as incoerências e silêncios foram aumentando. Dizia que não queria ficar com ninguém, blablabla e não conseguia simplesmente dizer que comigo não deu certo, por x, y motivos. Era sempre algo que ficava no ar e gerava dúvida. Hoje, temos um termo que explica bem o que ela fazia: Benching ( matéria do El País no link ). Benching ( matéria do El País no link ). 

Eu era alguém que via aquela situação como algo que não teve início, meio e fim. Não como eu imaginava, óbvio. A velha mania que temos de achar que tudo é sobre nós.  E aquilo me mantinha prisioneiro. Era como um duelo de duas pessoas que se achavam protagonistas das histórias. E eu sempre sentia que estava perdendo, no final das contas. E foram longos anos, tendo contatos esporádicos, por e-mail, SMS, depois whatsapp. Ela, por ter sido a única garota que eu realmente desejei e estive próximo de conquistar, me tinha nas mãos e funcionava como uma validação pra mim. O que ela falava, eu levava em consideração, ouvia de verdade. E de 2013 pra cá, estive em vários relacionamentos, sendo dois mais longos ( 2014/2016 e 2018/ atualmente ). Mesmo assim, conversávamos sempre que possível.

E eu me perguntava, às vezes...

- Tá, mas e aí ?

Me contestava, sobre o motivo de eu insistir tendo contato. Não éramos amigos de verdade. Eu tinha sentimentos não correspondidos e esperava ( em vão ), uma compensação por todo o tempo que investi, com juros e correção monetária. 

Bom, isso não existe...

Mas então, era só parar de falar? Não... eu sempre fui daquelas pessoas otimistas, que acham que as pessoas mudam, melhoram e evoluem. As migalhas que ela deixava, pra me deixar de estepe, enquanto ficava com vários caras, eram só uma fase. Ela iria amadurecer e se dar conta de que eu era o único que realmente se importava com ela. Eu era o " diferente ". 

E bota terapia nisso. Uma outra pergunta que eu me fazia :

- Tá, mas digamos que você consiga... O que você teria pra oferecer, atualmente? Continuam longe e você está num relacionamento estável e satisfatório.

Sim, realmente não haveria possibilidade de eu terminar meu relacionamento. E como eu lidaria com ela? Eu ficaria com ambos? Um trisal? Não... seria um caos. Não tenho estrutura emocional pra isso. Já tive. Hoje, não. 

E nessas perguntas internas, fui me cercando, até esgotar as possibilidades e me dar por vencido. Cheguei até a criar a utopia de termos um filho. Um final alternativo? Versão do diretor? Gente, eu pensei seriamente em propor isso. Ela já tinha passado dos 30 e muitas mulheres consideram a melhor época pra serem mães. Eu daria o suporte necessário, sem precisar estar perto, de certa forma, como a maioria dos pais ( eca ).

- Não inventa. Você não tem vocação nenhuma pra ser pai. Além do mais, os gastos são incalculáveis e você não tem reservas financeiras. Não se atreva.

E fui esgotando as perguntas e os motivos, pra manter o contato. Nos últimos anos, tivemos acesso a muito mais informação, de práticas tóxicas e repetitivas de relacionamento. Coisas que a gente sofria e achávamos que só aconteciam conosco, faziam parte de um padrão. E resolvi fazer um teste.

Num belo dia, deixei claro, por mensagem no whatsapp, que por todos esses anos, tinha esperança que algo pudesse acontecer, pra diminuir o estrago daquele novembro de 2012. E que já tinha entendido, bem tarde, por sinal, de que ela não tinha interesse em ter nenhuma experiência comigo. Até porque já teríamos nos encontrado novamente, se ela realmente tivesse vontade. Bom, na mensagem, explicitei que nossas conversas não estavam sendo uma troca justa, há séculos. E que dali pra frente, eu não teria mais esperanças e que a trataria assim como ela me trata. Não elogiaria mais, não daria suprimento pro orgulho dela. Seríamos realmente amigos, sem interesses extras ou teorias conspiratórias. 

O teste pelo visto deu certo. Ela sumiu de vez. Não me bloqueou, mas parou até de deixar as habituais migalhas de atenção. Que coisa, não ? Pelo visto, conversar comigo, saber sobre mim, ter conversas com alguém que a conhecia bem e que a apoiou em vários momentos difíceis, não significavam nada, se eu tirasse o desejo e os biscoitos da mesa. É complicado tomar o café sem os biscoitos, não é mesmo? Fechei bem o pote de biscoitos e guardei no armário. Assim, eles estarão crocantes e saborosos, para aqueles que merecem saborear.

Ainda assim, achei fácil demais. Quase um behavorismo primário. Ela caiu tão fácil? Nem disfarçou? Seria ( mais ) um momento ruim e sombrio dela? Mandei algumas mensagens, pra ver se ela reagia e assumisse, com todas as letras, que mantinha contato só pra alimentar sua ( baixa ) auto estima. Pensei em mandar um áudio, um texto enorme e depois bloquear, desistir de vez... e me dei conta de que seria ridículo, além de dar suprimento pro narcisismo aparente.

É confortável ter alguém te colocando num pedestal e te achando sempre linda, quando nem você se sente assim, não é? É muito cômodo ter alguém que te acha legal e agradável, mesmo você sendo tóxica, egoísta, machista e homofóbica ( votou no inominável e nunca se arrependeu ). Era cômodo demais. Mas a torneira se fechou. Parou de pingar.

E isso, na minha vida, fala muito sobre desistir. Eu nunca achava que desistiria dela. Me orgulhava muito daquela sensação de " vencer, nem que seja pelo cansaço ". Mas que merda é vencer o outro pelo cansaço ! E eu não enxergava. O autor do livro acima, o psicólogo Adam Philips, disse numa entrevista que a idéia do " não desistir nunca ", é uma das bases da ideologia fascista. Aquilo me deu um grande estalo. Faz muito sentido ! Desistir traz uma paz de espírito inexplicável.  Certas situações não " são pra ser " e não é o fim do mundo. E eu ficava naquela de acreditar na minha intuição, que no final daria certo. Típica síndrome de protagonismo ficcional. Não, não deu certo e não dará certo.

E o último resquício de resistência que eu tinha, sucumbiu: Eu aceitei, pra mim mesmo, que eu me enganei. Foi um erro. Parece um absurdo, mas era um tabu. Eu sempre procurava o erro, o desafio, o enigma a ser desvendado, quando bastava eu aceitar o óbvio: 

- Querido, você simplesmente se enganou. E tá tudo bem...


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