sábado, 1 de junho de 2024

This place is a shelter


 

Março de 2008. São Gonçalo, RJ. 

O que é se sentir livre, finalmente se conhecendo e se aceitando de verdade?

Com 22 anos, sentia que tudo era possível. O garoto mais especial do mundo estava comigo e dizia me amar. Eu não conhecia nenhum outro garoto gay que eu achasse atraente. Somente ele, naquele momento. Era uma bolha hiper confortável. 

Estávamos desempregados e recebendo seguro desemprego. Nossos gastos eram poucos, pois morávamos com nossos pais. Era minha primeira relação homoafetiva e tudo era muito novo. Não tínhamos onde ficar. Meus pais não sabiam e na casa da mãe dele, a privacidade era zero. Não cogitávamos motel, na época. Éramos muito imaturos. Minha melhor amiga ofereceu o apartamento, onde morava, pra ficarmos. Ela ficava com a mãe no final de semana e não gostava de ficar ali, pois lembrava do seu ex, com quem morou ali.

Foi a primeira sensação de " lar " que tive na vida. Éramos só nós dois: JJ e eu. Havia um aparelho de som com cd no quarto e um ventilador. O suficiente. Era outono e estava uma temperatura agradável. Gostávamos muito de dvds, na época. Resolvi comprar um e deixar lá pra minha amiga. E assistíamos nos finais de semana. Naquela época, pegamos o último resquício das vídeo locadoras. Tinha uma perto da minha casa. Lembro como se fosse hoje, de assistir filmes, deitado no colo dele, no sofá.

Éramos pessoas muito simples. Passávamos num mercadinho ali perto, no sábado da manhã e comprávamos o suficiente pra passar o final de semana. Era ótimo fazer comida junto com ele. Me recordo nitidamente de estar na sala, e assistindo ele na cozinha, lavando a louça. Parecia que tudo estava em paz. Não havia nenhuma preocupação. Ele era tudo e nada tirava minha paz.

Depois de muitos e muitos anos, percebi que aquela experiência tinha muito mais significado pra mim, do que pra ele. Eu passava como hétero, até então. Tinha namorado garotas. Aquele momento era uma verdadeira libertação, um transcender. Ali, eu começava a construir minha identidade, a ser quem eu queria ser dali pra frente. Agradeci muito a minha amiga pelo gesto e a importância dele.

Durou pouco. Apenas o mês de março. Meus pais descobriram e tornaram minha vida um mini inferno, por alguns meses. Resisti e meu relacionamento se tornou uma " questão de honra ". Era como se " desistir de ser quem eu sou ", se o relacionamento fracaçasse. Foram 5 anos juntos e a relação, a meu ver, morreu de morte natural. Sendo um dos grandes pilares da construção da minha identidade. Entrei com 22 e saí com quase 29. Digamos que deixamos nossa juventude nessa relação.

Lembrar desse lugar, é um exercício de otimismo. É rememorar uma fase em que o essencial era hiper básico. O consumo, em si, era secundário. O importante era estarmos juntos e termos como manter contato sempre. Gastos com créditos pra celular e internet, apenas. Já nos falávamos por MSN desde a época que trabalhávamos juntos. Era um ritual, nos falarmos todas as noites. A gente se entendia muito bem.


Escrevo, ouvindo a música que me lembra esse lugar ( link abaixo ). E sei que esse sentido é válido só pra mim e está tudo bem. JJ e eu ainda nos falamos. Se ele ler sobre isso, fará questão de dizer que não se lembra. Hoje, eu realmente tenho essa tendência, de esquecer o que não é tão relevante. E sinto que minha memória já não lembra de vários detalhes. Que pecado: Não tenho nenhuma foto do local e nem nossa, nessa época. Nossos celulares eram hiper jurássicos. O meu era um Motorola C200. Muito mal digitava um sms. O do JJ devia ter câmera, mas era bem precária. Ainda assim, ele era mais moderninho que eu. Só troquei de telefone, quando ele pifou de vez. Acho que fiquei de 2004 até 2009 com esse aparelho.

Saudade dessa inocência de só ver o lado bom das situações, de não enxergar na frente, onde pode dar errado. Sinto falta dessa sensação de que " a ignorância é uma benção ". Não tínhamos planos a médio longo prazo. Íamos nos adaptando, de acordo com as situações. E dava certo.

Vou perguntar pra minha amiga se ela tem alguma foto daquele apartamento. Ela não mora mais lá há muitos e muitos anos. Quem sabe ela não tenha ?





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