quarta-feira, 26 de junho de 2024

Sobre lembranças e escuta ativa

 


Um dia desses, uma pessoa com quem troco correspondências no Slowly ( aplicativo que simula uma troca de cartas online ), me indagou sobre o meu intuito em manter um blog. Hoje, é mais simples afirmar que é uma forma de fazer um backup de memórias e pensamentos. 

Tenho outros 3 blogs, que escrevi, de 2008 pra cá. Cada um reflete uma fase minha, de raciocínio e maturidade. Ao ler meu primeiro blog, me sinto extremamente fútil e ingênuo. Mas era apenas o repertório que eu tinha naquela época.

Um garoto blogueiro, que era um bom colega, veio a falecer há uns anos atrás, muito jovem. Algum câncer que não foi totalmente curado e voltou. Ele me falava sempre que sonhava em transformar o blog dele num livro, futuramente. Não foge muito do meu intuito, por aqui... que é de guardar, de alguma forma.

Estava assistindo um filme no Mubi, chamado " She's lost control ", em que um dos clientes da personagem principal, lhe apresenta uma idéia inovadora : Um obituário online, meio que " instagramável ". Consiste na idéia de gravar um vídeo de alguém que acha que morrerá em breve, deixando lembranças narradas pela própria pessoa, do que ela gostava de fazer, do que não gostava, realizações, recados finais a entes queridos e tudo mais. É uma idéia realmente inovadora e pode soar até meio macabra, mas não caminhamos pra muito longe disso, nessa sociedade atual. Seria apenas mais uma forma de gerar capital, em cima de uma necessidade criada pelo sistema.

Confesso que sempre tive aversão à pessoas que, do nada, às vezes " viram a chave " e cortam um vínculo duradouro, ignorando totalmente as lembranças contruídas. Com o tempo, tentei me afastar de pessoas que emanam essa energia. No meu primeiro relacionamento, lutei muito contra essa tendência no meu até então namorado. A sensação era de que ele não queria fixar lembranças, pra diminuir minha importância na vida dele. Lembro nitidamente de brigas bobas sobre este tema. Alguma data festiva ou aniversário de relacionamento, na qual eu lembrava e citava algo ocorrido numa outra oportunidade. Ele sempre fazia questão de dizer que não lembrava. E não tinha nenhum pudor quanto à isso... pelo contrário... minha visão bélica via que ele sentia prazer. Foi uma das N coisas que minaram nosso futuro juntos. No meu segundo relacionamento longo, eu via que ele canalizava esse meu desejo e fazia tudo exatamente como eu sonhava. Pena que anos depois, descobri que se tratava de uma pessoa borderline e que tudo não passava de encenação. No meu relacionamento atual, neste quesito, meio que voltei à estaca zero. Mas vejo pudor nele ao esquecer e percebo que não é um esquecimento seletivo. a memória dele é realmente ruim pra todos os assuntos... rs. A gente vai relevando !

Troquei uns áudios com minha amiga Margot, de Patos de Minas. Conversamos sobre escuta ativa. Ela sempre foi um exemplo de como ouvir os outros e prestar realmente atenção no que era dito. Confessei a ela que nos últimos anos, tenho exercitado isso, após obter certa maturidade. Para minha surpresa, muitas pessoas se afastaram. Parece que preferiam lidar com o meu " eu " no modo primitivo, controlado por pulsões, paixões e hormônios. Talvez dê pra entender no motivo de as pessoas gostarem deste tipo " autêntico ", pois podem fazer o papel da razão na relação. E esse papel é bem confortável, energeticamente falando e até, quem sabe, moralmente. A partir do momento em que mostrei que não estava mais apenas falando, mas também ouvindo, de que não estava apenas me apresentando visualmente, mas também observando... percebi algumas pessoas lentamente se recolhendo. Mas que curioso, não é mesmo? Elas não querem ser ouvidas? Ou vistas? Tem muito daquela sensação de " estar certo ", que não sei se vocês sabem como é...

Darei um exemplo: Meu último blog se chamava " Implacável ". Uma grande amiga, numa cena de cinema, com um cigarro na mão e um copo de cerveja na outra, cruzou as pernas, olhou pra mim e perguntou: 

- Por que você é sempre tão implacável ?

Aquilo foi algo sensacional. Me sentia numa sessão de terapia. Eu estava sendo visto de uma forma, que eu nunca tinha pensado sobre. Talvez seja pelo fato de ser uma das poucas pessoas mais experientes que eu, convivendo comigo naquela época. Tivemos uma amizade excelente, de confidências, companhias e conversas presenciais únicas. Eu geralmente ia na casa dela, que morava sozinha, aos sábados, pela tarde. Ela estava sempre bebendo cerveja e fumando. Eu, raramente, bebia uma latinha de cerveja com ela. Sempre tive medo de ficar bêbado e perder o que venho falando nesta postagem : O raciocínio e a capacidade de gerar memórias. 

Infelizmente, por eu ser o " implacável ", nossa amizade teve um fim. Assim como eu, ela aparentava ser aquela pessoa extremamente racional, às vezes impiedosa e queria estar sempre com a razão. E num fatídico episódio, eu me senti diminuído, por ela ter ido encontrar um amigo de SP, longe de casa. Isso porque ela alegava ( e com razão ) que não se sentia bem em lugares públicos , por achar que sua voz é baixa demais e as pessoas não a ouviam. Insisti, até que num dia fomos num barzinho. Chegou uma hora, com um monte de gente falando em volta, que eu não consegua ouví-la. Tentei fazer leitura labial, pra não constrangê-la e não estragar nosso passeio. Esperta como era, ela reparou. E fomos pra casa dela. E ela falou o que sempre falou: que era por isso que evitava lugares ao ar livre e etc. Respondi, com toda convicção :

- Você está certa. Não precisamos mais sair. 

E nunca mais sugeri nenhuma programação que não fosse na casa dela. Por mais que eu sempre tivesse ingressos pra cinema e teatro. Respeitei a particularidade da minha amiga. Considerei o básico de empatia e humanidade. 

Até que um amigo em comum, que era da zona litorênea de SP, veio ao Rio, a passeio. Nós tivemos um quase affair, por ligações telefônicas, na época, mas não daria certo pela distância e pelo fato de ele ser muito, muito novo. Sim... até para meus padrões. Imaginem ! E a partir do momento que não deu certo, ele meio que mudou comigo e nem cogitou me encontrar, quando veio ao Rio, mesmo tendo uma amiga em comum. Ok, ninguém é obrigado a nada. E do nada, eu vejo na rede social, que ela não convidou ele pra ir na casa dela, mas foi ao seu encontro! Putz !

Isso já deve ter uns dez anos e ainda não cheguei num nível elevado de espírito, pra afirmar que faria diferente do que fiz na época. Chamei ela pra conversar e deixei bem claro que achei um absurdo. Que eu tava me sentindo um otário. Ela ficou sem ação, como nunca a tinha visto ficar. Não sei se o amigo ajudou a fazer a cabeça dela contra mim, mas só sei que ela se afastou e cortou o contato. 

Mesmo estando certo, tentei, por diversas vezes, retomar minha amizade com ela. Entendo, como às vezes o orgulho pode nos cegar. Já passei por isso. Às vezes fico pensando se esse foi realmente o motivo do afastamento dela ou se não foi a gota d'água, pra outras situações mal resolvidas ou não declaradas. Meu namorado, na época, me contou que fez uma coisa que ela não gostou. E só fui saber anos depois.

Enfim, era isso que queria falar nesse post...

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